O consumidor e o superendividamento
Em geral, sabemos quando, como e onde reclamar,
caso haja lesão ou ameaça de lesão a nossos direitos numa relação de consumo.
Todavia, não temos – ao menos, ainda não – educação financeira para o consumo.
Já faz algum tempo que o Brasil apresenta um
crescimento econômico significativo. Com o início do Plano Real, aos poucos, a
inflação galopante foi diminuindo e hoje o Brasil ocupa uma posição de destaque
na economia mundial, com o 6° maior PIB mundial – em que pese ocupar a
lamentável 84° posição em IDH (índice de desenvolvimento humano).
Os reflexos desse crescimento econômico são,
dentre outros, a facilitação do crédito e o aumento do consumo. Fatores como a
abertura de mercado, iniciada antes mesmo do advento do Plano Real, e a
facilitação do crédito geraram um aumento significativo do consumo. Junte isso
aos subsídios concedidos sazonalmente pelo Governo em determinados produtos e o
aumento da renda, com a consequente ascensão das classes e voilá! Mais aumento
no consumo.
Tudo isso é muito vantajoso e desejável, pois faz
o país crescer, gera empregos, aumenta a renda da população e proporciona
acesso a produtos e serviços. Entretanto, nessa receita mágica falta um
ingrediente essencial e que, sem ele, a mistura desanda: a educação para o
consumo. Nós, brasileiros, temos muito mais consciência de nossos direitos do
que há duas décadas. Em geral, sabemos quando, como e onde reclamar, caso haja
lesão ou ameaça de lesão a nossos direitos numa relação de consumo. Todavia,
não temos – ao menos, ainda não – educação financeira para o consumo.
Normalmente, o crédito fascina. Temos acesso a
bens e serviços relativamente caros, muitas vezes impossíveis de serem pagos à
vista, mas que “em suaves prestações” nos são acessíveis. Por conta disso,
muitas vezes compramos bens que estão muito acima de nossas condições ou de
nosso padrão de vida, pois nos são acessíveis por meio do crédito – facílimo,
aliás.
Vejamos um exemplo: a aquisição de um veículo que
custa R$ 80.000,00. Dificilmente um consumidor terá este valor disponível para
a aquisição desse veículo à vista – ou se tivesse não poderia gastar com isso,
pois teria outras prioridades. No entanto, este consumidor dispõe de R$
30.000,00, valor que seria suficiente para a compra de um veículo popular.
Porém, diante da perspectiva de crédito, o consumidor poderá adquirir o veículo
que custa R$ 80.000,00 com uma entrada de R$ 30.000,00, financiando os R$
50.000,00 restantes, pagando 60 parcelas de R$ 1.600,00. O raciocínio que o
consumidor faz é: “a parcela cabe em meu bolso?”. Se a resposta for positiva, o
consumidor fechará o negócio. Porém, não fará outra pergunta básica: “quanto
esse carro custará para mim no final?” Se somar as parcelas, pagará R$
96.000,00 pelo financiamento, mais os R$ 30.000,00 que deu como entrada. O
carro ao final custará R$ 126.000,00, lembrando que já terá se depreciado em 05
anos.
Além disso, esse consumidor tende a financiar e
parcelar todas as suas compras: parcelas sem juros e utilização do rotativo no
cartão de crédito, uso do cheque especial, empréstimos bancários. Todas essas
parcelas separadamente cabem em seu orçamento, porém se somadas, muitas vezes
ultrapassam os seus rendimentos mensais. Isso sem contar as despesas fixas
mensais desse consumidor, como alimentação, moradia, transporte, vestuário,
educação etc. Esta aí a fórmula do superendividamento.
Ao chegar nesse estágio, o consumidor não
consegue pagar todas as suas dívidas, refinancia o cartão de crédito, passa a
utilizar constantemente o limite do cheque especial e acaba tendo o seu nome
incluído nos cadastros de maus pagadores – afinal, ele não conseguiu honrar
suas dívidas.
Para evitar que isso aconteça, o consumidor deve
ficar atento ao orçamento. Calcular todas as despesas fixas mensais é um bom
começo para colocar o orçamento em ordem. Ao saber o quanto gasta mensalmente
com essas despesas, o consumidor tem a real noção do que pode dispor de seu
salário. Uma boa prática é se programar para guardar ao menos 10% dos
rendimentos mensais. Se o consumidor estiver com o orçamento em ordem e se
disciplinar, isso é perfeitamente possível. Haverá uma reserva que poderá ser
utilizada em situações de emergência, inclusive.
Conhecendo o seu orçamento, o consumidor poderá
mapear seus gastos e planejar melhor suas aquisições. Poderá até comprar aquele
carro que custa R$ 80.000,00, desde que verifique muito bem a taxa de juros,
pesquise o banco que lhe concede a menor taxa – e lhe informa corretamente o
custo efetivo total do financiamento, obrigação do banco e direito do
consumidor – e financie um valor menor e em menos tempo. Afinal, o consumo não
é pecado, mas o consumo sem consciência é um atentado violento ao bolso. E,
como dizem, dinheiro não aceita desaforo!
http://aeradodialogo.com.br/ultimas/436-o-consumidor-e-o-superendividamento
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